Oct. 27, 2005: CubanoAmericana de Noticias.

Cardeal Bertone-Cuba: o Pastor "abençoa" o Lobo

Enigmática continuidade da política de mão estendida do Vaticano e de altas figuras eclesiásticas para com o tirano do Caribe, durante mais de três décadas, que remonta à época em que monsenhor Agostino Casarolli, então secretário do Conselho para os Assuntos Públicos da Igreja, afirmou em visita a Cuba, que os católicos da ilha eram felizes.

*Armando F. Valladares

1. O cardeal Tarcisio Bertone, arcebispo de Gênova, visitou a ilha-cárcere de Cuba de 3 a 10 de outubro pp., durante a qual teve uma entrevista de duas horas com o ditador comunista Fidel Castro, a quem transmitiu uma saudação "especial" de S.S. Bento XVI. Em tal histórica entrevista participaram seu secretário, Monsenhor Stefano Olivastri e o Núncio Monsenhor Luiggi Bonazzi. O cardeal Bertone entrevistou-se também com altos funcionários do regime, como Caridad Diego, chefe de Assuntos Religiosos do Partido Comunista de Cuba e Esteban Lazo, chefe do Departamento Ideológico do Comitê Central do Partido Comunista de Cuba. Manteve contatos eclesiásticos de alto nível, visitou a diocese de Santa Clara, onde acompanhou dois sacerdotes italianos que cumpriam funções nessa diocese e recebeu membros da comunidade italiana de San Egidio, que aderiu à teologia da libertação e que recebeu luz verde do regime para atuar em Cuba.

2. Agências e periódicos internacionais atribuíram ao cardeal de Gênova afirmações nas quais elogia o sanguinário ditador, algo incompreensível se se considera a ideologia comunista deste, que foi qualificada de "intrinsecamente perversa" por tradicionais documentos de Pontífices do século XX, à qual não renunciou e da qual continua fazendo alarde.

Em seu retorno a Gênova, o cardeal Bertone convocou uma coletiva de imprensa para dar detalhes de sua entrevista com Castro, à qual assistiram representantes dos maiores jornais da Itália e das mais importantes agências de notícias internacionais. No transcurso da mesma, o cardeal disse que "a Igreja em Cuba é vista com respeito pelo governo" e que "o mesmo Castro manifestou grande apreço pela Igreja"; expressou sua convicção de que no ditador "cresceu o respeito pela religião", e afirmou, contra todas as evidências, que na ilha-cárcere "a abertura já é total".

Os comentários elogiosos do cardeal Bertoni ao ditador não terminaram aí. Ele destacou o que lhe pareceu interpretar como "notável lucidez" do tirano quando analisou a "crise energética" internacional, elogiou sua "insistência" sobre o "dever" de "cultivar a civilização da solidariedade", da "necessidade de ajudar os pobres e deserdados" e de "promover o desenvolvimento humano", acrescentando que nesse sentido o tirano "não deixou de dar um bom exemplo", "enviando ajuda" a diversos países, e que os anteriores são "temas que estão muito dentro do coração de Castro". Como se o ditador não fosse responsável direto pela terrível pobreza imperante em Cuba, pela mais completa degradação física, psicológica e moral de gerações inteiras, fruto de um embargo interno escravizante, pela exportação de revoluções sangrentas na América Latina e África, enfim, por sustentar durante quase meio século uma anti-civilização comunista que foi qualificada de "vergonha de nosso tempo" pela Congregação da Doutrina da Fé, da qual o cardeal Bertone foi secretário durante 7 anos.

3. Castro, por sua parte, segundo a versão cardinalícia, depois de tecer loas ao falecido João Paulo II, teria enaltecido seu sucessor, Bento XVI, afirmando que ele "tem o rosto de um anjo bom" e acrescentando: "Digo-o e confirmo, porque sou um especialista em fisionomias". Castro, além disso, havia recebido "em silêncio", ao que parece com ar humilde, a "bênção" do cardeal que, impressionado com o que seriam as disposições mais íntimas do ditador, esclamou: "Creio que em Castro há um espaço crescente para escutar Deus"... Como se o ditador não houvesse demonstrado reiteradas vezes dotes histriônicos, havendo em 1959 descido a Sierra Maestra com um Rosário e uma medalha da Virgen de la Caridad del Cobre no pescoço, para conseguir o apoio dos católicos; e em 1998, ao se despedir de João Paulo II, no aeroporto de Havana, chegando a simular o derramamento de lágrimas, suficiente para que alguns interpretassem o fato como o começo de uma conversão...

4. Capítulo à parte merece a "ajuda" que Castro teria solicitado à Igreja para combater a "praga" do aborto, apresentada pelo cardeal como uma "conseqüência do turismo sexual" e constituindo para este uma "vergonha, uma denúncia que deve-se fazer em voz alta". Na realidade, a "praga" do aborto em Cuba comunista é substancialmente conseqüência de um sistema que por sua ideologia comunista favorece a promiscuidade sexual desde a mais prematura adolescência. Por denunciar a prática massiva de abortos em Cuba, o Dr. Oscar Elías Biscet continua preso; e por negar-se a continuar fazendo experimentos com fetos, depois de sua conversão ao catolicismo, está proibida de sair de Cuba a destacada neuro-cirurgiã DrŠ Hilda Molina. Lamentavelmente, em favor de ambos, não se ouviu até agora nenhuma "denúncia em voz alta" do prelado italiano.

O cardeal Bertone, mencionado como "papável" nos dias que seguiram à morte de João Paulo II, acrescentou que as relações Cuba-Vaticano "jamais se interromperam e isso é muito significativo"; até nos momentos mais difíceis "continuou o diálogo", o qual seria "muito importante" porque o diálogo "dá frutos como se vê agora".

Provavelmente, para não opacar esse clima de "diálogo" com a tirania castrista, o arcebispo de Gênova "eximiu-se de opinar sobre a situação relativa aos direitos humanos", minimizando este gravíssimo tema, com ar de naturalidade, expressando que "todos os países têm seus problemas". Essas declarações foram destacadas, com satisfação, pelo jornal Granma, órgão do Partido Comunista de Cuba. Não consta que em sua visita de uma semana a Cuba o cardeal tenha aberto sua agenda para fazer contato com membros da sociedade civil, vários deles, leigos católicos, como a economista Martha Beatriz Roque e as Damas de Branco que diariamente arriscam suas vidas para conseguir, pacificamente, a liberdade de Cuba.

5. Não se sabe se por um lapso, ou se por outra razão, o cardeal Bertone revelou algo que contradiz as supostas boas disposições do ditador: este lhe confidenciou que continua sendo "fiel" às suas idéias de sempre... Ou seja, ao comunismo enquanto nefasta ideologia, e à sua estratégia de fazer apóstatas e não mártires no rebanho católico, estratégia que delineou em discurso na Universidade de Havana na década de 1960 e que vem aplicando até hoje: "Não cairemos no erro histórico de semear o caminho de mártires cristão, pois bem sabemos que foi precisamente o martírio o que deu força à Igreja. Nós faremos apóstatas, milhares de apóstatas..."

Uma semana depois da visita do cardeal a Cuba, o bispo de Holguín, no oriente da ilha, viu-se na necessidade de denunciar dramaticamente que "as agressões a católicos" de sua diocese "persistem e aumentam em sua violência" (agência católica Zenit, 17.10.2005), algo que desmente a ilusão de "abertura total" que o cardeal Arcebispo de Gênova acreditou ver na outrora Pérola das Antilhas.

6. Tudo o que foi dito anteriormente é sem dúvida doloroso, particularmente para os fiéis católicos cubanos que vêem um Pastor ir ao encontro do Lobo e posteriormente elogiá-lo, quase como se fosse um inocente Cordeiro.

Não obstante, lamentavelmente, não são novidade nem os elogios rasgados de um cardeal a Castro, nem as cínicas alegações de respeito e admiração do tirano pela Igreja. Por exemplo, foi isto o que se ouviu, da boca do ditador, antes e depois de seu encontro com João Paulo II, em Roma, em novembro de 1996, e da visita do Pontífice a Cuba, em janeiro de 1998.

Por isso, me atrevo a dizer que o dito anteriormente não é o mais grave.

7. Na realidade, o mais grave é a enigmática continuidade da política de mão estendida do Vaticano e de altas figuras eclesiásticas de diversos países para com o tirano do Caribe, durante mais de três décadas, que remonta à época em que monsenhor Agostino Casaroli, então secretário do Conselho para os Assuntos Públicos da Igreja, afirmou em visita a Cuba que os católicos da ilha eram felizes; que passa por tantos lamentáveis episódios protagonizados pelos altos eclesiásticos de diversos países, que tive ocasião de abordar em artigos anteriores; e que chega até João Paulo II, quando em 8 de janeiro pp., ao receber as cartas credenciais do novo embaixador de Cuba ante a Santa Sé, fez um reconhecimento a diversos aspectos da revolução comunista que colocou os católicos cubanos em uma encruzilhada espiritual sem precedentes (cfr., entre outros artigos, que incluem abundante documentação, "João Paulo II, Cuba e um dilema de consciência", 15.01.2005; "O drama cubano e o silêncio vaticano", 25.04.2003; "Cardeal Sodano e Fidel Castro: o Pastor sai em auxílio do lobo", 11.05.2003; "O pedido de perdão que não houve: a colaboração eclesiástica com o comunismo", 22.03.2000; "ONU: representante vaticano favorece a ditadura castrista", 26.10.2000; "Sim, o regime comunista perseguiu e persegue os católicos cubanos", 09.08.1998 (em vésperas da viagem de João Paulo II a Cuba); "Com o comunismo cubano, um 'diálogo franco' impossível", 04.03.1998; "Fraudulenta 'política religiosa' do ditador Castro", 16.11.1996, dia da chegada do ditador Castro a Roma, publicados no Diario Las Américas", de Miami, nas datas indicadas).

8. É difícil, para não dizer impossível, supor que o cardeal Bertone tenha viajado a Cuba sem o conhecimento da Secretaria de Estado do Vaticano e, inclusive do próprio S. S. Bento XVI, a julgar pelas informações da imprensa, não desmentidas até o momento, de que o arcebispo de Gênova foi portador de uma saudação "especial" do Pontífice ao ditador.

9. Sei bem, enquanto católico e enquanto ex-preso político cubano, que passou 22 anos nas masmorras castristas e viu sua fé fortalecida ao ouvir os gritos dos jovens católicos que morriam no "paredón" gritando "Viva Cristo Rei, abaixo o comunismo!", quantas perplexidades, angústias e dramas interiores cria nas consciências dos cubanos essa atitude diplomática da Santa Sé e de altos prelados de diversos países em relação a Cuba comunista. Uma situação das mais dolorosas que podem existir, porque dizem respeito a seus vínculos com a Santa Sé e com a Igreja. Não obstante, como já tive ocasião de manifestar, a fé dos católicos deve ficar intacta e até fortalecida ante este dilema, porque em matérias diplomáticas e políticas nem sequer os Papas estão assistidos pela infalibilidade. Por isso, os fiéis católicos, ao lado de de reafirmar sua incondicional obediência à Igreja e ao Papado nos termos estabelecidos pelo direito canônico, e manifestando toda a veneração devida à Cátedra de Pedro, têm o direito e até o dever de resistir a aceitar determinadas orientações diplomáticas, na medida em que estas discordem da linha tradicionalmente adotada pela Igreja em relação ao comunismo.

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Armando F. Valladares, ex-preso político cubano durante 22 anos, foi embaixador norte-americano ante a Comissão de Direitos Humanos da ONU, Genebra, durante os governos Reagan e Bush; é autor do livro-testemunho "Contra toda esperança", onde narra sua vida nos cárceres castristas.

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Tradução: Graça Salgueiro

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Referências:

- Granma Internacional, La Habana, 12-oct.-2005;

- Avvenire, Roma, 12 y 13-oct.-2005;

- La Stampa, Turin, 13-oct.-2005;

- Associated Press, AFP y Ansa, 13-oct.-2005;

- Agencia Zenit, Roma, 14-oct.-2005.

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 LINKS DE OUTROS ARTIGOS DE VALLADARES SOBRE TEMAS RELACIONADOS:

"Juan Pablo II, Cuba y un dilema de conciencia", 15-1-2005:

http://www.cubdest.org/0506/c0501jpav.html

"El drama cubano y el silencio vaticano", 25-04-2003:

http://www.cubdest.org/0306/c0304v.html

"Cardenal Sodano y Fidel Castro: el Pastor sale en auxilio del lobo", 11-05-2003:

http://www.cubdest.org/0306/c0305v.html

"El pedido de perdón que no hubo: la colaboración eclesiástica con el comunismo", 22-03-2000:

http://www.cubdest.org/0002/cvperd.html

"ONU: representante vaticano favorece dictadura castrista", 26-10-2000:

http://www.cubdest.org/0012/cvonu.html

"Sí, el régimen comunista persiguió y persigue a los católicos cubanos", 9-01-1998 (en vísperas del viaje de Juan Pablo II a Cuba):

http://www.cubdest.org/0012/cvcard.html

"Con el comunismo cubano, un 'diálogo franco' imposible", 4-03-1998:

"Fraudulenta 'política religiosa' del dictador Castro" 

http://www.cubdest.org/98cd/cvallvat.html

Más artículos de Valladares en:

http://www.cubdest.org

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