A poucos dias das eleições presidenciais de 05 de outubro de 2014, no Brasil, publicamos novamente o editorial de 2006 que transcrevemos a seguir, pois a temática abordada continua com bastante atualidade.

Julho 15, 2006: CubDest website. Destaque Internacional – Informes de Conjuntura – Ano IX – nº 201 – San José da Costa Rica – 12 de julho de 2006 – Responsável: Javier González

 

Brasil doente? Ministro Mello, corrupção governamental e apatia

 

A poucos meses das eleições presidenciais, esclarecer o enigma da apatia na sociedade brasileira é de fundamental importância não só para os rumos dessa grande e querida nação que é o Brasil, como para os de toda a América Latina

 

1. O Brasil vive “tempos muito estranhos”, nos quais tornou-se “quase banal” a sucessão de notícias diárias de “indiciamento de autoridades dos diversos escalões”, não só “por um crime, mas por vários”, deixando à luz do dia uma “rotina de desfaçatez e de indignidade” que “parece não ter limites”. Tudo isso estaria trazendo uma grave e inesperada conseqüência psicológica e moral em vastos setores da vida brasileira: em lugar de uma indignação proporcional das pessoas, inclusive de um clamor contra essa corrupção generalizada, se vai produzindo “uma apatia cada vez mais surpreendente”, como se “tudo isso fosse muito natural e devesse ser assim mesmo”, com os cidadãos aplicando a “tática do avestruz” e passando a viver “como se nada estivesse acontecendo”.

Esta análise da realidade brasileira, que tratou-se de sintetizar respeitando o contexto em que foi formulado, pertence ao presidente do Tribunal Superior Eleitoral do Brasil, ministro Marco Aurélio Mello, em recente discurso ao assumir esse alto cargo, a poucos meses das eleições nacionais. Que nos conste, tal diagnóstico não recebeu a atenção que merecia, não só por provir de um alto magistrado, senão pela importante e inesperada relação de causa e efeito que estabelece entre a avalanche de denúncias de corrupção e a crescente apatia em setores importantes da população brasileira.

2. A descoberta da corrupção ocorreu em meados de 2005 quando o deputado Roberto Jefferson, do partido PTB, tornou pública a existência de uma gigantesca rede de arrecadação ilegal de dinheiro organizada pelo governante Partido dos Trabalhadores (PT), desviando somas milionárias de empresas públicas, privadas e instituições financeiras para sustentar um sistema de compra de votos de deputados de diversos partidos – o chamado “mensalão”, consistente em uma generosa propina mensal – com o objetivo de obter a aprovação legislativa dos projetos do PT e assegurar sua continuidade no poder pelos próximos 10 a 15 anos. Apesar desse esquema ter sido organizado por figuras entre as mais próximas ao presidente Lula, este, até hoje, afirma que não sabia de nada.

É diante dessa situação que o presidente do Tribunal Superior Eleitoral do Brasil, constata essa enigmática indiferença, em vez de uma natural reação de repúdio, de setores importantes da população.

3. Os sintomas de que a sociedade brasileira parece estar doente, com seu próprio instinto de conservação debilitado, são múltiplos. Nesse sentido, a revista brasileira “Observatório da Imprensa” destaca o diagnóstico feito por Sílvio de Abreu, roteirista de várias novelas estelares da TV Globo, baseado em pesquisas efetuadas pela emissora, de que “a moral do Brasil está em frangalhos”. O Sr. Abreu dá, entre outras provas, a de que até algum um tempo atrás os telespectadores se identificavam com os personagens bons, porém hoje muitos se identificam com os desonestos e os moralmente reprováveis. Abreu observa que essa maior tolerância dos telespectadores “com os desvios de conduta tem tudo a ver com os escândalos recentes da política” e conclui que “o simples fato de o presidente Lula dizer que não sabia nada de nada e não viu as mazelas trazidas à tona pelas CPIs e pela imprensa, já basta, as pessoas fingem que acreditam porque acham mais conveniente que fique tudo como está”.

4. A esse respeito, o “Observatório da Imprensa” observa que a minoria que percebe essa deterioração moral não encontra meios adequados para realizar o alerta, e está em uma situação análoga à de “sentinelas que percebessem o avanço dos bárbaros às portas de Roma e não pudessem alertar a cidade para o perigo”, entre outras razões, “porque os destinatários do aviso não querem saber de alerta algum”.

5. Quando em 1992 transpiraram notícias de corrupção no seio do governo do então presidente Fernando Collor, o país começou a viver um clima de efervescência que se refletiu, inclusive, em protestos pacíficos de rua que levaram a Câmara dos Deputados e o Senado a votar o “impeachment” do presidente e a suspender seus direitos políticos por 8 anos. Isto parece ser um efeito contrário ao que hoje se estaria produzindo em setores da população brasileira, a propósito da corrupção no governo do atual presidente Lula.

6. Colocados estes elementos de juízo, são nossos leitores brasileiros quem estão em condições de analisar se tais elementos são objetivos e, neste caso, detectar e explicar os mecanismos psicológicos pelos quais a indignação natural foi-se transformando em apatia psicológica e em paralisia do raciocínio moral

A poucos meses das eleições presidenciais, esclarecer esse enigma no seio da sociedade brasileira é de fundamental importância não só para os rumos dessa grande e querida nação que é o Brasil, como para os de toda a América Latina.