Fev. 6, 2003: Agência CubDest. Fev. 8, 2003: Mídia Sem Máscara, Internet. Fev. 15, 2003: Libertad Digital, Madrid.

Fórum Social Mundial: as "redes", suas metas e estratégias

* Táticas denominadas "liliputianas" e de "invisibilidade" dão aparência de espontaneidade ao que na realidade constitui uma gigantesca articulação contestatária

* Objetivos de curto e médio prazo para Europa, Estados Unidos, América Latina e Índia

Até um passado recente, os movimentos de esquerda se articulavam de maneira hierárquica, em torno de um partido ou de uma entidade de massas. Hoje, o modelo em voga é o das chamadas "redes", um tipo de "(des)organização" que "não possui estruturas hierárquicas nem centro de direção", contando apenas com "nós" em cujas intercessões unem-se "horizontalmente" centenas e milhares de organizações contestatárias. É o que explica o ítalo-brasileiro José Luiz Del Roio, um intelectual com participação decisiva no 3º Fórum Social Mundial, dirigente da associação italiana "Ponto Vermelho", que tem entre seus objetivos "recuperar criticamente a experiência histórica e política da nova esquerda e do movimento operário e comunista em geral", assim como participar na atual tentativa de "refundação teórica do marxismo".

Del Roio e sua organização "Ponto Vermelho" integram a rede denominada Fórum Mundial das Alternativas, uma articulação internacional de esquerda revolucionária muito influente no comitê internacional do Fórum Social Mundial, que tem como principais expoentes três teóricos marxistas: o sacerdote belga François Houtart, que foi presidente da tristemente célebre Tricontinental, lançada por Ernesto "Che" Guevara em Havana, e que hoje dirige o Centro de Estudos Tricontinental, na Bélgica; o húngaro István Mészáros, já citado no artigo anterior e o egípcio Samir Amin.

As vantagens estratégicas da organização em redes, de maneira horizontal e não hierárquica, são grandes. Para ilustrá-lo, Del Roio coloca como exemplo a italiana "rede de Liliput", cujo "líder moral" é o sacerdote católico Alex Zanotelli, uma das figuras mais ativas da "teologia da libertação" e da esquerda católica na Itália, uma espécie de Frei Betto desse país. O nome e estilo de atuação de tal "rede" faz referência à obra do escritor irlandês Jonathan Swift, na qual uma multidão de "anõezinhos" conseguiu neutralizar o gigante Gulliver.

A estratégia "liliputiana" consiste em tecer uma rede mundial tão abrangente quanto possível, ganhando constantemente espaços e influência ante a opinião pública para obter o isolamento, desprestígio e cerco "sempre mais estreito e denso" em torno do Gulliver atual, representado pelo governo conservador norte-americano e pelo chamado neo-liberalismo. Outra tática das redes mencionada por Del Roio é a "invisibilidade" na ação, inspirada nas guerrilhas zapatistas de Chiapas, que torna difícil o adversário detectar a identidade do que se lhe opõe. Nas manifestações massivas na Itália, essa "invisibilidade" se reflete em dezenas de milhares de participantes vestidos "tutte bianche", "quase como se fossem fantasmas".

No painel "Império, guerra e unilateralismo", Del Roio traçou sem eufemismos os principais objetivos internacionais das "redes", no curto e médio prazo: pôr centenas de milhares de pessoas nas ruas das principais cidades da Europa, contra a guerra no Iraque e contra o governo norte-americano (a próxima data de grandes mobilizações simultâneas é 15 de fevereiro); impulsionar uma Europa fora da OTAN, aliada com a Rússia; incentivar uma aproximação entre Rússia e China; apoiar o governo brasileiro no estreitamento de vínculos com Rússia, China e Índia; estabelecer contatos e apoiar de todas as maneiras possíveis os movimentos contestatários dentro dos Estados Unidos, para criar na opinião pública norte-americana um contrapeso ao governo conservador; e alentar a participação de crentes, especialmente, dos católicos.

No painel "Insurgência cidadã contra a ordem estabelecida", o padre Houtart explicou o interesse estratégico enorme que a Índia adquiriu para impulsionar a revolução a nível asiático e mundial, destacando que nos últimos 15 anos vem-se produzindo uma "multiplicação" das insurgências sociais em tal país. Não em vão, os organizadores do FSM decidiram que o 4º FSM seja efetuado na Índia em 2004, com o qual espera-se poder dar um respaldo a essas insurgências e às que fermentam em outros países asiáticos.

O sistema de redes, além de suas vantagens estratégicas evidentes, está sendo apresentado por participantes do FSM como um modelo de "globalização alternativa", de relacionamento social que resgata os objetivos anti-hierárquicos e igualitários do socialismo marxista e gramsciano. É o que afirma, por exemplo, Alexander Vladimir Buzgalin, da Universidade de Moscou, diretor da revista marxista "Alternativas", em seu estudo "Globalização alternativa e novos movimentos sociais: teoria e prática" (2003), que foi distribuído e comentado durante o FSM. É de destacar que as chamadas "teorias do caos", aplicadas aos movimentos sociais, também mostram predileção pelas redes enquanto sistema (des)organizativo.

As redes, com suas estratégias, seu poder e suas metas, sem dúvida impressionam. Seria um erro grave subestimá-las. Porém não são invencíveis e têm seu "calcanhar de Aquiles". Por exemplo, simplesmente deixar à descoberto suas metas revolucionárias e mostrar que detrás da aparente espontaneidade desses movimentos contestatários existe toda uma teoria de ação revolucionária, lhes tira boa parte de sua força de impacto.

Tradução: Graça Salgueiro