Febr. 13, 2003: agencia CubDest (6o. artigo da Série Fórum Social Mundial 2003)

Foro de São Paulo e Cuba no Fórum Social Mundial

Articulação continental de esquerdas radicais vê com ceticismo estratégias "gradualistas" e está pronta para passar à ação direta na medida em que as circunstâncias o permitam

Durante o recente 3º Fórum Social Mundial de Porto Alegre (FSM), os membros do pró-castrista Foro de São Paulo (FSP) optaram por um perfil discreto, tanto nas declarações quanto nas aparições públicas. A cautela em evitar pronunciamentos de extrema esquerda foi debatida em Buenos Aires, poucos dias antes do início do 3º FSM, no seminário internacional "Crise do capitalismo e alternativa socialista", no qual participaram dirigentes de Partidos Comunistas de 15 países como Espanha, Cuba, Chile, Brasil, Colômbia e Uruguai. Tal estratégia já havia sido adotada em dezembro de 2002, na Guatemala, durante o 11º Foro de São Paulo. Isto deveu-se principalmente ao empenho em não prejudicar a atual imagem "moderada" do presidente Lula, do Brasil, que é precisamente um dos fundadores do Foro de São Paulo.

Com efeito, em julho de 1990, a pedido do ditador comunista Fidel Castro, Lula convocou a primeira reunião do FSM com o objetivo de proteger o socialismo cubano e latino-americano em momentos em que se consumava a desintegração do império soviético. De imediato, o FSP se converteria na mais importante rede de esquerdas da América Latina. Entre seus atuais membros, junto com o brasileiro Partido dos Trabalhadores (PT), e todos os partidos comunistas do continente, estão as narco-guerrilhas colombianas.

No 2º FSM de 2002, em sentido oposto à estratégia adotada neste ano, o FSP havia optado por uma visibilidade ostensiva, chegando a efetuar uma multitudinária assembléia em um dos maiores auditórios da Pontifícia Universidade Católica de Porto Alegre (PUC), com a participação de membros do comitê organizador do FSM. Isso contribuiu para abrir um flanco estratégico, deixando em demasiada evidência a relação direta entre ambas as redes de esquerda (cfr. "Porto Alegre 2002: Foro Social Mundial y Foro de São Paulo se dan la mano", CubDest, Febr. 10, 2002).

Alguns meses depois, durante a campanha eleitoral de Lula, sua notória vinculação com o FSP lhe rendeu não poucas dores de cabeça. Analistas internacionais como o professor Constantine Menges, do Hudson Institute, baseando-se em declarações de Lula, Fidel Castro e Chávez, alegaram que se delineava uma espécie de "eixo do mal" latino-americano. Em outubro de 2002, durante um conhecido programa brasileiro de televisão, Lula fez uma tentativa de ridicularizar essa acusação, a qual lhe valeu uma interpelação pública do ex-preso político cubano Armando Valladares (cfr. Armando Valladares, "Ironias del neo-Lula nada responden y confirman aprensiones", Diario Las Américas, Miami, Oct. 11, 2002). Lula, para não trazer mais problemas à sua campanha eleitoral e à sua imagem internacional com tão espinhoso tema, passou a fazer silêncio absoluto sobre o mesmo.

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Cuba comunista apostou forte no 3º FSM, enviando uma delegação de 243 membros, muito maior em número que nos dois eventos anteriores. A comitiva foi encabeçada pelo chefe do Departamento Ideológico do Partido Comunista de Cuba (PCC), José Ramón Balaguer e pelo ministro da Cultura, Abel Prieto, recebendo o reforço do chanceler cubano, Felipe Pérez, que viajou de Caracas acompanhando o controvertido presidente venezuelano Hugo Chávez. "Pela importância estratégica do Brasil, o êxito mais importante que celebramos hoje é a eleição de Lula", reconheceu Balaguer. Prieto fustigou o "verdadeiro eixo do mal" que, segundo ele, estaria constituído pela direita latino-americana, à qual qualificou de "golpista", e pelo governo dos Estados Unidos.

De Havana, em um discurso de uma hora transmitido pela televisão, o ditador cubano mostrou as esperanças que deposita no FSM e instou a delegação cubana a aproveitar publicitariamente o evento para "defender as conquistas da revolução", bem como a "denunciar a ofensiva imperialista e fascista" que estaria em curso contra seu aliado, o presidente Hugo Chávez, da Venezuela.

Todavia, apesar da ânsia por aproveitar o 3º FSM como trampolim propagandístico, os resultados obtidos pela delegação cubana foram medianos, longe de constituir o centro das atenções, como no 1º FSM de 2001.

No 3º FSM, os cubanos montaram a Casa de Cuba em um ginásio próximo a vários locais onde se desenvolveu o evento. No dia da inauguração, para conseguir encher o ginásio, os cubanos tiveram que fazer correr o rumor, no Acampamento Internacional da Juventude, próximo dali, de que se apresentaria o conhecido cantor Silvio Rodríguez. Ajudados por esse estratagema, e por uma chuva torrencial, conseguiram que certa quantidade de jovens, que se albergava em precárias barracas de acampamento, buscasse ali refúgio temporário.

Entre as causas do menor poder de atração dos revolucionários cubanos está o mal-estar crescente, nas próprias bases da esquerda brasileira e internacional, pela continuidade da violação de direitos elementares dos cubanos como a liberdade de expressão, de movimento, de associação, etc. Isso tem-se transformado em uma evidência que já não é mais ocultável, a qual se configura, inclusive para essas bases esquerdistas, como uma situação opressiva injustificável.

Casos que tornaram-se conhecidos no Brasil e nas Américas, como os das meninas cubanas Sandra Becerra e Anabel Soneira, que estiveram literalmente seqüestradas em Cuba contra a vontade de seus pais cubanos, residentes no Brasil; e o do físico cubano, Dr. Juan Lópes Linares, também residente no Brasil, a quem o governo comunista impede de viajar à ilha para conhecer seu filhinho Juan Paolo, são elementos que também têm contribuído para causar esse mal-estar para com o regime cubano.

O Dr. López Linares se fez presente no 3º FSM para denunciar sua situação familiar. Meios de comunicação de Porto Alegre propuseram a membros da delegação cubana, como Aleida Guevara, filha do "Che" Guevara, um debate público com o Dr. López Linares, sobre a situação dos direitos e liberdades em Cuba. Porém os cubanos, percebendo a fragilidade de sua situação, recusaram o debate. Em uma entrevista coletiva de imprensa feita pelas esposas dos cinco espiões cubanos detidos nos Estados Unidos, estas foram interrogadas sobre a situação de conhecidos presos políticos em Cuba, como o advogado cego Dr. Juan Carlos González Leiva, havendo-se negado a responder.

Outro fator importante da diminuição da influência cubana está no avanço e consolidação de tendências anarquistas no seio do FSM, contrárias à supremacia de um partido único, como é o caso do Partido Comunista de Cuba (PCC).

Entretanto, apesar dessa influência menor, não se pode subestimar o poder de mobilização e articulação dos comunistas cubanos, tanto no FSM – onde conseguiram ser ovacionados em alguns auditórios – quanto em nível internacional. Eles formam parte decisiva de um "eixo" de esquerdas radicais, que vê com ceticismo estratégias "gradualistas" como a que Lula parece utilizar atualmente, e que está pronto para passar à ação direta revolucionária, na medida em que as circunstâncias sócio-políticas da América Latina o permitam.

Não há dúvida que a realidade política contemporânea é complexa e difícil de avaliar. Em meio ao caos que vai avançando, é indispensável fazer um esforço não pequeno para traçar um diagnóstico objetivo das diversas correntes de esquerda, com sua força real e com seus pontos débeis, de maneira a poder levar a cabo uma eficaz ação de denúncia publicitária.

Tradução: Graça Salgueiro